sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

FÁBULA: A CIGARRA AMERICANA E A FORMIGA CHINESA


PEQUIM — Ao contrário da cigarra americana que escolheu o crédito como modo de vida, como seu país, a formiga chinesa descansa sobre um colchão espesso de poupança e abomina a ideia mesmo de endividamento.

Dos Estados Unidos à China, os hábitos de consumo são diametralmente opostos: o chinês é o campeão mundial da poupança, embora alguns gostassem de ver o consumo tomar o lugar das exportações, como motor de crescimento.

Encorajados pela mídia que vem dando curso livre, nos últimos dias, às críticas contra o Tio Sam "paralisado de dívidas" ou se perguntando, com alegria, sobre "o que não está dando certo no Ocidente", os chineses olham do alto esses americanos que gastam o dinheiro antes mesmo de tê-lo ganhado.

A nação da formiga até empresta, financiando os gigantescos déficits americanos através da compra de bônus do Tesouro dos Estados Unidos.

Ao fazer suas compras, o pequinês Zhao Kai pragueja contra os americanos "que nos perturbam a vida" e os aconselha a "só comprar o que podem pagar".

Isto porque, como a maioria dos chineses, Zhao "não gosta de dívidas". O endividamento dos lares chineses não representava senão 17% de seus rendimentos, contra 136% dos americanos no ano passado, segundo a revista Forbes.

"Ao contrário do americano que vive de crédito, o chinês, quando ganha 100 iuanes, poupa entre 25 e 30", explica à AFP Wang Qing, da China International Capital Corporation, uma instituição financeira.

A poupança dos lares chineses se elevava, no final de junho, segundo o Banco Central, a 3 trilhões e 627 bilhões de euros, ou seja, 2.790 euros por habitante.

Os cartões de crédito só apareceram por volta de 1990 na China.

Mesmo assim, "apenas 5% dos chineses têm cartão, o que representa uma grande diferença com os Estados Unidos onde 60% da população possui um, ou vários", estimava a firma de consultoria McKinsey no final de 2009.

Possuí-lo também não autoriza os chineses a exagerar.

"É preciso não abusar, senão nos tornamos escravos", declara o empresário Li Yingsong. "O pagamento em espécie é preferível: se não se tem dinheiro, não se consome".
"É uma questão cultural. Os chineses não dormem se têm dívidas", explica Shen Lingling, diretora da Caishang Wealth, sociedade de aconselhamento financeiro.
Poucas lojas propõem pagamentos a prestação e os chineses preferem comprar pagando à vista. "O dinheiro na mão transmite um sentimento de segurança", explica Cao Yang, uma tradutora; segundo ela, "as pessoas à minha volta não usam praticamente o crédito".

Na cidade de Qingdao (nordeste) um chinês causou sensação, ao comprar, em 2009, em espécie, um imóvel de 8,7 milhões de euros. Em Pequim, as concessionárias de carros de luxo veem com frequência chegar clientes apresentando valises cheias de dinheiro.

Mas, hoje, os chineses são obrigados a fazer mudanças em seus princípios. O aquecimento do mercado imobiliário leva muitos cidadãos a se endividar e a dissipar, às vezes, mais da metade de seu salário para pagar um empréstimo.

Uma jovem chinesa "americanizada" se empenha em mudar os costumes: ela faz parte dos "yue guang zu", literalmente "a tribo que gasta todo o salário mensal".
Ao contrário de seus pais, sob Deng Xiaoping, e dos avós, sob Mao Tsé Tung, eles aproveitam a vida com despreocupação.
"A maior parte dos meus amigos em Pequim são 'yue guang zu'", comenta Cao Yang, a tradutora.
"Sao filhos únicos, jamais faltou dinheiro para eles, agora gastam sem refletir", lamenta Shen Lingling.

Estão arriscados a ficar, como os americanos, desprevenidos quando a necessidade chega.

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